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Existe um conhecido relato histórico, informando que os nativos habitantes das américas, não conseguiram ver os navios dos conquistadores chegando, até ser tarde demais. Acontece que as embarcações dos invasores eram tão diferentes das imagens e referências que os nativos possuíam, que seus cérebros não puderam perceber de imediato a aproximação. Atentos as mudanças nas ondulações da agua causadas pelas grandes embarcações, finalmente puderam ter uma percepção.  Será, que processo semelhante acontece conosco em relação a nossa cegueira social? Podemos chamar de cegueira social a incapacidade de alguns em perceber pessoas e situações, que por estarem fora do padrão social usual, são praticamente invisíveis.

Podemos pensar em comunidades pobres, mendigos, andarilhos e moradores em situação de rua e até mesmo pessoas com profissões consideradas de pouco status social, como cotidianamente acontece com os limpadores das ruas, invisíveis para um sem número de transeuntes. O que o fenômeno da invisibilidade social nos revela?

A resposta mais óbvia é o preconceito materializado. Invisíveis são todos os que fogem da estética dominante em relação ao que, e a quem merece ser visto e respeitado. Mesmo um gesto mínimo de humanidade, como ser cumprimentado, com um bom dia ou boa tarde, passa a ser negado. São invisíveis os diferentes, os que estão fora dos padrões socialmente instituídos, padrões que podem envolver a cor, etnia, religião, classe social ou orientação sexual. A invisibilidade social vai além de simplesmente ignorar a pessoa, trata-se da negação, do não reconhecimento. Os invisíveis são destituídos de sua humanidade pelo olhar que se desvia, pelo desdém, e as vezes, quando isso não é suficiente, acabam sendo alvo de agressão, violência e morte. A cultura do higienismo social é extrema, ela envolve pelo menos três possibilidades, ignorar, deslocar e confinar ou matar.

Contudo, anterior ao preconceito existe algo ainda mais pernicioso. Um tipo de racionalidade excludente. Um dos primeiros a analisar esse fenômeno foi o sociólogo alemão do século XX T. Adorno, que no seu livro Dialética Negativa de 1975 esmiuçou o problema. Em síntese, Adorno constata que a dialética positiva de matriz hegeliana predominou na cultura ocidental, reservando ao momento da identidade, da afirmação e do conceito, sobre o que algo é, ou não é. Em outras palavras, a racionalidade moderna tende a afirmar o momento da síntese, como afirmação positiva da identidade, e por consequência tende a negar o que não faz parte dessa identidade. Assim, considerando que a racionalidade moderna ocidental teve seus conteúdos estabelecidos principalmente pela cultura burguesa, branca, hetero e cristã, aqueles que se encontram fora desses padrões (identidades) tendem a ser excluídos, estigmatizados, tornando-os invisíveis, ou obstáculos a serem removidos.

A invisibilidade social, situação aviltante e de flagrante desrespeito em relação ao ser humano, enseja a reação por parte dos ofendidos. Quando os invisíveis se dão conta, de que a ofensa sofrida é compartilhada, tem-se o potencial para o conflito social. As demandas por reconhecimento têm assumido cada vez mais a forma do conflito. E não poderia ser diferente em face de uma sociedade excludente e higienista.

Urge, que os princípios democráticos de liberdade, pluralidade e dignidade universal do ser humano sejam reafirmados e defendidos. No plano legal, político e educacional o direito a diferença, e a defesa da cidadania precisam ser materializados.  O fenômeno da invisibilidade social é sintomático de uma sociedade cruel e desumana. A continuidade de uma cultura que estabelece dois tipos de pessoas, as que são vistas e reconhecidas e as invisíveis, coloca a sociedade rumo a barbárie. Não é sem razão que os crimes de ódio são cada vez mais frequentes. Aqueles que enxergam as mazelas da sociedade e suas causas precisam ajudar os “cegos sociais” a abrirem seus olhos.

Prof. Everson Araujo Nauroski é Filósofo Clínico, doutor em Sociologia e atua como palestrante e terapeuta. E-mail: eversonnauroski@gmail.com

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