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Eu nasci a dez mil anos atrás. Nasci? Não. Nada disso. Fui parido no século passado o que, por sua deixa, já é mais do que suficiente para me permitir dar um testemunho sincero a respeito de muitíssimas coisas que vi, vivi e conheci com a intensidade duns dez milênios [mentira], a despeito de ter vivido, até o momento, pouco menos de meio século. 

É óbvio que essa escrevinhada não tem a intenção de ser uma espécie de testamento redigido por um moribundo. Não está em meus planos de curto prazo bater as chuletas. O que quero, como quero, é deixar claro que essas linhas objetivam apenas expressar uma e outra impressão dum homem, cônscio de seu envelhecimento, sobre um e outro fato da vida e destas, extrair uma e outra, como direi, lição que tenha alguma valia. E se essa lição nada valer, que fique registrado a impressão que foi sorvida duma determinada faceta de nosso dia a dia neste vale de lágrimas que é o viver.

Sei que esses parágrafos até parecem a apresentação duma petição de princípios. Se parecem, que assim o seja. Não tenho o objetivo de colocar um ponto final nos assuntos que forem abordados através de nosso escrevinhar. Não. Tenho tão somente o desejo de fazer o que disse: dar um testemunho a partir da solitude de minha consciência individual.

Em se falando nisso, eis aí um trem que há décadas me chama a atenção, que é a aversão e, por que não, o medo que muitas pessoas manifestam frente a possibilidade de darem um testemunho sobre algo a partir de seu desolado olhar solitário frente a realidade. Pior! Ensina-se o cultivo desse vício cognitivo e moral a torto e a direito, mas isso é um babado para outra escrevinhada.

Voltemos ao ponto. Sempre me impressionou, nas muitas reuniões que participei, na condição de professor, o uso exaustivo e cansativo de expressões que denotavam a ideia de que o coletivo decidiu fazer isso ou aquilo, que o coletivo acordou nesse ou naquele outro ponto e assim por diante. E tudo isso era feito com base em documentos – atas e textos – que [supostamente] refletiam o que o coletivo já havia resolvido noutras ocasiões e instâncias.

Sim, as pelejas as vezes, muitas vezes, eram feias. Saltava faíscas para todos os lados e, no frigir dos ovos, acabavam reafirmando o que fora supostamente decidido pelo tal coletivo nas assembleias de inconscientes realizadas anteriormente.

É claro que no começo eu me entregava de corpo e alma à esses entreveros, pois, como todo mundo, tenho lá minha dose de idiotia brasílica infusa. Porém, com o tempo, eu percebia que aqueles documentos que eram enviados e discutidos não refletiam, nem de longe, aquilo que era pensado pelas pessoas fora daquelas insalubres reuniões.

Ou seja: o tal do coletivo não era uma média obtida a partir dos múltiplos pontos de vista individuais. Nada disso. O coletivo era apenas uma palavra utilizada para, ao mesmo tempo, ocultar a autoria e a intenção subjacente ao projeto educacional, que estava sendo proposto, e dar a todos a sensação de que estavam participando, democraticamente, da construção dum plano educacional que suposta e hipoteticamente iria construir um futuro melhor para o Brasil.

Ora, se o autor não dava suas caras e a coletividade não tem cara alguma, quem seria o pai dessa pobre criança, que são os resultados tenebrosos da educação brasileira? É, meu caro amigo, quando dizemos que todos tem uma cota de culpa é porque ninguém, de fato, irá assumir a responsabilidade por nadica de nada, nem mesmo por sua porca vida. E uma sociedade onde ninguém é minimamente maduro para agir como o publicano do Evangelho de São Lucas, nenhum problema social, político, educacional, econômico e tutti quanti terá solução, simplesmente porque estamos moralmente abaixo do mínimo indispensável para tal.

Por isso creio que deveríamos cultivar em nós essa capacidade de acolher amorosamente a realidade, de olharmos para os fatos como eles são e não como os nossos pares os sentem. Isso é fundamental para sabermos distinguir os problemas reais e urgentes, dos problemas secundários e, não menos importante, não confundi-los com as tretas e rolos imaginários, superestimados por nós e pelas coletividades fictícias que, ao seu modo, habitam em nossa consciência e que, efetivamente, até o momento, tem guiado nossa desgovernada nação para o fundo do brejo da história.

Como resolver essa encrenca, francamente, eu não sei, mas te digo uma coisa: sem resgatarmos nossa capacidade de nos distanciar das coletividades e de nos apartar dos coletivismos para ver e compreender a realidade, estaremos condenados a viver, em nossas vidas, o drama de Sísifo. E aí meu amigo, todos nós iremos se fu...

É isso. Pausa para o café.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela (dartagnanzanela@gmail.com)

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