Depois da injustiça
Lê-se que, depois da chuva torrencial, aquela humanidade dos subúrbios deixa as casas. Aos primeiros raios do sol que retornam, passeia-se alegremente. Os portões ficam abertos, balouçados sob os ventos restantes. Uma alegria angelical toma conta dos corações. Lembram-se das tempestades, sem mágoa. Elas não são injustiça.
O corpo se transforma em ferro retorcido. Da cabeça aos pés. Não há psicanálise que recomponha o ser profundamente injustiçado. Seu sentido é de ignomínia, repulsa, revolta, repto a Deus e às divindades que permitiram tanta sordidez. Imagine-se o homem amaldiçoado pela ingratidão, decorrida uma vida. Não mais brilham, nem o sol nem as estrelas, não se agitam as árvores, não se expõem as flores. Tudo é retorno a uma caverna ameaçada por ratos e morcegos, onde nosso homem deve dormir.
A justiça parece inalcançável, nunca foi exaurientemente definida, apesar dos esforços de Aristóteles nas cartas ao filho Nicômano. O que fazemos, advogados obcecados, é garimpar até as profundezas, onde imaginamos um diamante a que denominaram "o justo". Não prometemos resultado. Entre os juízes e promotores, há os certos de que receberam missão divina. Pensam, repensam, escrevem, reescrevem, fluem e refluem no mar das ideias. Outros não se incomodam se sob as capas dos processos mora um ser. Preferem crer em objetos, para ir para casa com a leveza de um órgão a menos a transportar, muitas vezes pesado, conhecido como consciência.
A solenidade da justiça, retratada por prédios suntuosos, pinturas admiráveis, cúpulas irresistíveis aos sentimentos estéticos, só atemoriza. Na medicina há a síndrome do avental branco. Na Justiça, a da toga preta. Os aqui chamados "réus", em Portugal "arguidos", são medicantes daquela brisa que veio com o sol.
Hugo fala do homem absolvido que deixou o palácio e não parava de correr do solene. Pouco lhe dizia que o juiz lhe dissera que não tivera culpa, não conquistava a resiliência.
Quando o homem injustiçado consegue a volta a seu merecimento, o entulho de ferros, pouco a pouco, amolece, até que ele se sente, novamente, no seio da humanidade. Os portões das casas simples, mas acolhedoras, das periferias, continuam abertos, para acolher seu dono, a tanto tempo levado por funcionários do poder.
Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados (Bruna Lyra Raicoski)
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