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Todo Réveillon é igual em muitos aspectos. Sempre queremos melhorar nossa vida em diversos aspectos, e acabamos fazendo as famosas promessas ou repromessas de começo de ano.

O fim de um ciclo marcado pelo calendário ou ano civil traz para muitas pessoas a esperança de mudanças ou melhoras. Exemplos: deixar de fumar, emagrecer, perder aquela barriguinha, voltar a praticar atividades físicas, mudar de emprego, dar mais atenção aos amigos, ter mais carinho com a família, abandonar aquele amor que parece impossível, começar a investir na carreira dos sonhos, começar a estudar inglês pra valer… Enfim, uma lista infindável que muitos de nós conhecemos. Razões não faltam para as mais diversas promessas.

As tradicionais “promessas da virada” e a esperança que reveste a vida humana

Essas promessas surgem pela mesma lógica que estimula as pessoas a começarem uma dieta na segunda-feira. Para muitos, essa hora da virada é o momento que poderão se organizar para estabelecer a mudança, renovar seus sentimentos, aumentar sua disposição em cumprir as metas estabelecidas, retomar propósitos ou criar novos e mesmo abandonar o que avaliam que não foi bom no ano que termina. Richard Wiseman, psicólogo britânico, realizou uma pesquisa em 2007 e mostrou que pouco mais de 10% das pessoas cumprem suas promessas de fim de ano.

Outro fenômeno que desponta nesta época, sobretudo na mídia, são os denominados “gurus” das mais variadas denominações, formações e integridades. Pessoas que fazem previsões, apontam metas e dão respostas simples e mágicas para entender tudo e responder tudo. Muitos exploram o desespero das pessoas que querem soluções rápidas, mágicas e certamente positivas. Basta estarmos atentos às TVs, sobretudo no dia 31 de dezembro, para percebermos o aumento das consultas aos búzios, cartas, oráculos, crescimento nas vendas de livros de autoajuda etc. Isso sem contar os desejos feitos nessas datas que, presos às diversas simpatias, fazem desabrochar a esperança, pelo menos nas primeiras semanas do ano, porém, para muitos, murcham logo depois.

O que leva as muitas promessas ao fracasso? Promessas em vão? Comprometemo-nos e não cumprimos porque somos fracos, sem força de vontade, frágeis seres à mercê de hábitos mais fortes, vítimas de nós mesmos, de nossa estrutura de pessoa, de um passado que nos condena? Devemos, então, deixar de lado nossos planos e promessas de ano novo e continuar a fazer do mesmo jeito ou permanecer na passividade de quem espera o trem, parado com sua mala na estação? Não devemos fazer nada de diferente e ficar esperando que as coisas mudem de direção por si mesmas?

Esperança humana

A esperança tem seu enraizamento antropológico e é vivenciada como experiência de base da existência humana, pessoal, comunitária e coletiva. A esperança emerge, antes de tudo, como o dinamismo da vida. O enraizamento profundo da esperança no próprio elã vital inconsciente ou pré-consciente dá ao ser humano uma força e uma significação muito especiais. Ela é vivida antes de ser conhecida. Nutrir e reforçar a esperança é, antes de mais nada, oferecer bases e condições concretas de viver.

Em sua realização propriamente humana, a esperança vem ao encontro da pessoa que é um feixe vivo de desejos e projetos. Seu ponto mesmo de inserção é o ser humano, como capacidade de êxito e fracasso. O indivíduo, o casal, a família, a sociedade em todas as suas formas, são regidos por esta lei absoluta e imanente. Tudo e todos aspiram pelo êxito e têm horror ao fracasso. Esta lei se estende, simultânea e conjuntamente, ao plano inconsciente, pré-consciente e consciente.

“Um homem sem esperança reinventa sempre qualquer esperança”

É verdade que, no horizonte da esperança, há incertezas e temores, mas é verdade também que, no horizonte da esperança, há o ousar, a aventura. E também, como afirma Emmanuel Mounier: “Um homem sem esperança reinventa sempre qualquer esperança”. Gabriel Marcel ressaltava que quem vive a vida como uma rotina é “um desesperado que nem mesmo sabe que é desesperado”. A esperança precisa ser vista no contexto da vida humana total. “Onde há vida, há esperança”, diz o adágio popular! A esperança é, porém, para muitos, a força fundamental e primária que estimula e impulsiona toda atividade humana. Erich Fromm compara a esperança ao salto do tigre em direção ao seu objetivo. Esperar, pois, é um estado do ser, uma capacidade inata de sonhar e realizar o sonho. A esperança de ser feliz é a tendência fundamental do agir humano que o faz ser mais, abrir-se ao próximo, superar o egoísmo e a avidez.

Com tudo isso, afirmamos que não é um mal fazer promessas no início do ano, assumir propósitos, estabelecer metas, fazer projetos. É próprio do ser humano a esperança, o estabelecer projetos. O problema está no uso dos meios errados, falsos, ilusórios e mesmo de superstições como formas de conhecer o futuro e criar projetos. A superstição, crença ou prática, que geralmente se considera irracional ou resultado da ignorância e do medo do desconhecido, implica em crença nas forças invisíveis sobre as quais acredita ser possível influir.

A esperança cristã e um futuro melhor

“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento”. Este mandamento convida o homem a crer em Deus, a esperar n’Ele e a amá-Lo acima de tudo. O homem tem o dever de cultuar e adorar Deus, tanto individualmente quanto em sociedade, portanto, “a superstição é um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus, demonstrando-se na idolatria, na adivinhação e na magia” (CIC, nº 2138).

A esperança cristã é vivida na oração, na virtude da paciência e na prática da caridade. O agir cristão é todo esperança, pois busca o fim último do homem em Deus. Esperar, para o cristão, nunca foi um acomodar-se. A esperança cristã possui um caráter de confiança em Deus que inclui um desejo e uma tendência em direção ao futuro. A experiência momentânea não pode ser o único fundamento de uma teologia cristã da esperança.

Toda esperança se apoia na convicção de que é possível alcançar o objeto esperado. Na esperança humana, o fundamento dessa convicção são as forças humanas e a crença na bondade fundamental dos seres. No homem religioso, isso se transforma na crença numa Providência Divina, em um Deus que se revelou como Pai e quer o bem de seus filhos. O cristão não busca respostas ou iluminações em objetos, superstições ou falsos “gurus”, mas é na Palavra de Deus que encontra luz para o futuro e forças para caminhar.

A esperança cristã

Iluminar corações e mentes com a Boa Notícia da Salvação é essencial para que todos possam compreender que a esperança humana – os anseios mais profundos do homem – se realizam, de modo definitivo, na esperança cristã. A comunidade cristã pode, finalmente, dar sentido às cruzes e aos sofrimentos do homem contemporâneo, pois ela própria sabe que sua esperança repousa na cruz e na ressurreição do seu Senhor. Sem grandes ilusões, mas também sem pessimismo exagerado e sem desespero, enfrentemos cada ano novo como quem crê nos bons e quem não tem medo dos maus. Que cada ano novo nos encontre como encontrou os outros cristãos desde o ano primeiro da nossa era: esperando dias melhores e fazendo os dias melhores!

Padre Mário Marcelo, scj - Mestre em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (MG), padre Mário é também licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (SC) e bacharel em Teologia pela PUC-RJ. Mestre em Teologia Prática pelo Centro Universitário Assunção (SP). Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma/Itália. O sacerdote é autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral; além de professor da Faculdade Dehoniana em Taubaté (SP). Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e da Sociedade Brasileira de Bioética. Membro do grupo Interdisciplinar de Peritos (GIP) da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Autor de livros publicados pela Editora Canção Nova.

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