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O que você acha de perder espaço para criar, de ter menos tempo para pensar e de ignorar aquelas habilidades que são fundamentais para o futuro, como raciocínio, emoção, empatia, pensamento crítico, comunicação, responsabilidade ético-ambiental, entre outras? O que você acha de mandar nossos filhos e filhas para uma escola que ignora as novas necessidades de formação em tempos de transformação digital e reproduz um modelo ultrapassado de educação, típico dos velhos paradigmas do século XX? Pois é nessa direção, para um passado ultrapassado, que a escola pública do Paraná parece estar caminhando.

Em 22 de dezembro de 2020, o governador do estado do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD), publicou a Instrução Normativa Conjunta nº 11/2020, documento que unifica e estabelece mudanças na matriz curricular do Ensino Médio para as escolas estaduais o a partir do ano letivo de 2021. A instrução reduz pela metade a carga horária de Filosofia, Sociologia e Artes no Ensino Médio das escolas públicas do estado do Paraná.

Tratou-se de uma decisão tomada sem consulta à comunidade educacional e suas diferentes instâncias deliberativas, colocando em risco a riqueza e complexidade da aprendizagem de milhares de estudantes paranaenses. Além disso, ela compromete a vida profissional, familiar e pessoal de inúmeros educadores que levaram vários anos para se formar e proporcionar uma educação pública de qualidade nessas áreas.

Se duas horas/aula semanais de Filosofia, Sociologia e Artes já são o mínimo do mínimo, a redução de 50% dessa carga horária somente estimula o tratamento superficial da complexidade de seus respectivos problemas, métodos e conteúdos, além de aumentar seu descrédito entre os estudantes e a comunidade em geral. Não fosse pouco, essa redução obriga um mesmo docente a desdobrar suas atividades em diversas escolas, possivelmente de municípios diferentes, comprometendo a qualidade das aulas. E a muitos outros, resta a inclusão entre os milhões de desempregados que assolam o estado e o país.

É de conhecimento público a importância dessas disciplinas nos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de países desenvolvidos e de tradição democrática. O reconhecimento de seu valor inquestionável para a formação dos estudantes no Brasil é correlato ao processo de redemocratização, de laicização do Estado, da valorização da cidadania e do pluralismo político. Entender o desenvolvimento e as transformações sociais, aprender a criar e articular conceitos, estimular o raciocínio lógico e a elaboração de juízos, desenvolver a capacidade de imaginação e expressão artística, agir a partir de princípios éticos e compreender a política como a condição excelsa do ser humano não parecem ser domínios do conhecimento que devam ser subtraídos aos adolescentes e jovens, especialmente os já desfavorecidos pelas desigualdades econômicas, sociais e políticas do estado do Paraná.

As capacidades desenvolvidas por tais disciplinas não são somente “teóricas”, vez que também envolvem a deliberação e as tomadas de decisão que fazem parte da dimensão “prática” de vida de cada um. O velho argumento da contraposição entre conhecimentos práticos (no sentido de conhecimentos técnicos, de utilidade imediata, de pouca complexidade) e saberes teóricos (situados pelo senso comum somente no âmbito da abstração e da inutilidade) é falacioso. De nada adianta a educação financeira ajudar o estudante a “usar melhor o cartão de crédito” se a visão do mundo que o envolve e a compreensão das relações sociais que o perfazem como cidadão e membro de uma comunidade política se deslizam a meras relações mercadológicas e o reduzem a um homo oeconomicus.

Nos casos específicos da Filosofia e da Sociologia, elas foram tornadas disciplinas obrigatórias na matriz curricular do Ensino Médio no estado do Paraná pela Lei n. 15.228/2006. A estratégia do governo agora é clara: sem que possa ser acusado de atuar contra a legislação de 2006, ele promove cirurgicamente o definhamento gradativo destas disciplinas por asfixia.

A Instrução Normativa Conjunta nº 11/2020 é mais um desdobramento concreto dos constantes ataques que a Filosofia e as Ciências Humanas e Sociais vêm sofrendo pelas autoridades políticas brasileiras, coincidentes com a ascensão do neoliberalismo autoritário, da moralização da política, da criminalização da arte e do cerceamento do pensamento.

Que ela seja, portanto, revogada!

Cesar Candiotto é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Geovani Moretto é coordenador do Curso de Filosofia e de Ciências Sociais da PUCPR e Ericson Sávio Falabretti é decano da Escola de Educação e Humanidades da PUCPR (aline@v3com.com.br)

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