Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

O grande maestro brasileiro Tom Jobim cunhou uma frase lapidar a respeito do Brasil, que se tornou tão famosa quanto suas músicas inesquecíveis: “O Brasil não é para principiantes”. Assim como as suas melodias, esse vaticínio em relação ao nosso país se mostra sempre atual, e o mais novo acontecimento a confirmá-lo é a questão dos precatórios.

Um dos motivos para a relativa tranquilidade que tivemos nos mercados locais desde meados de abril foi que, com a combinação de um crescimento acima do esperado e uma inflação mais persistente, tivemos uma alta surpreendente na arrecadação. O resultado foi que as perspectivas para o resultado fiscal de 2021 e, consequentemente, para a trajetória da dívida pública, melhoraram, revertendo todo o mau humor dos mercados com a questão fiscal, que vinha desde a discussão da PEC emergencial.

Entretanto, no meio do caminho tinha um ‘meteoro’. Mas, antes de entrar no mérito do problema, vamos lembrar o famoso provérbio português: “Em casa de pouco pão, todos gritam e ninguém tem razão”, ou seja, o cerne do problema não está no “meteoro”, mas no tamanho do “planeta”. Se houvesse espaço ilimitado no orçamento, seria como se o astro rochoso atingisse o Sol, mas, como temos o Teto dos Gastos, seria como se o tal “meteoro” atingisse a Terra. Portanto, o ponto inicial da nossa discussão é verificar o espaço que teremos no Teto e qual o candidato natural a ocupá-lo.

Atualmente, o Bolsa Família tem pouco menos de 15 milhões de beneficiários, recebendo, em média, R$ 192,00 mensais, ao custo anual de R$ 33 bilhões. A ideia do governo federal seria elevar o benefício mensal para, pelo menos, R$ 300,00, e aumentar o número de beneficiários para 22 milhões. Segundo cálculos de especialistas, para chegar a essa meta, o Governo teria que gastar ao redor de R$ 80 bilhões com o programa em 2022, um incremento de gastos de R$ 47 bilhões. Considerando a “folga” supracitada de R$ 30 bilhões, ainda faltariam R$ 17 bilhões. Fazendo uma conta de “chegada”, para aumentar o valor para R$ 300,00, o Governo teria que ser mais comedido no número de beneficiários a que poderia chegar – no máximo, 18 milhões. Por outro lado, para atingir 22 milhões de pessoas, o valor máximo possível do benefício seria de R$ 250,00. Logo, um dos motivos do estresse do mercado e que não teve relação com o “meteoro” do ministro da economia, foram as especulações de que o benefício pudesse chegar a R$ 400,00. Aí, nem mantendo o número atual de cobertura, a conta fechava dentro do Teto dos Gastos. Portanto, seria factível aumentar o Bolsa Família como desejava o atual presidente, a questão seria apenas acertar o sapato ao tamanho do pé. Mas então veio o ‘meteoro’, na forma de precatórios.

Como não parece factível que o presidente abra mão do seu Auxílio Brasil e não dá para encaixá-lo junto com os precatórios sob o Teto dos Gastos, devemos partir do pressuposto que nenhuma solução seria boa. Posto isso, a opção escolhida pelo Governo parece ser uma combinação de parcelamento dos precatórios com o estabelecimento de um limite de pagamento anual baseado em um percentual da Receita Corrente Líquida (RCL). Porém, o problema dessa proposta é que, além do perigo de ela ser desvirtuada no Congresso por ter de ser feita através de uma PEC, ela pode ser vista como uma forma de calote, dado que muda o fluxo de pagamento de uma dívida governamental. Além disso, essa questão certamente será judicializada, uma vez que Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas deverão entrar no STF para reaver os seus direitos de pagamento imediato, em virtude de dívidas referentes ao antigo FUNDEF, aumentando, assim, as incertezas com relação à credibilidade do Orçamento de 2022.

Todas essas questões aumentaram as dúvidas com relação a uma variável que tem sido o calcanhar de Aquiles da economia brasileira nos últimos anos e, certamente, influenciaram o Banco Central (BCB) a acelerar a alta dos juros para 1,00 p.p. na última reunião do COPOM. Isso fica claro ao observarmos o aviso contido no Comunicado da reunião: “Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.

A questão dos precatórios antecipou – e piorou – uma discussão que esperávamos que ocorresse na virada de agosto para setembro, quando o Governo terá que mandar o Orçamento de 2022 para o Congresso. A combinação das limitações impostas pelo Teto dos Gastos, com as demandas eleitorais, já seria suficiente para causar estresse ao mercado, mas agora temos um fator adicional que limita ainda mais a margem de manobra do Governo e coloca na mesa poucas opções, e todas elas ruins. Em termos de impacto sobre os mercados, acreditamos que boa parte dessa novidade ruim já foi incorporada no preço dos ativos, ficando dois pontos importantes a serem observados no curto prazo. O primeiro será se a proposta do Governo vai simplesmente eliminar a diferença entre o custo orçado e o efetivo dos precatórios, ou se vai aproveitar a oportunidade para abrir mais espaço no Teto para acomodar as emendas parlamentares e/ou um Auxílio Brasil mais “parrudo”. O segundo ponto seria verificar se, durante a tramitação da PEC para parcelar esses precatórios, não serão incorporados “jabutis” que acabem piorando uma situação que, por si só, já é ruim.

Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa - eduardo.r@brainstory.com.br

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.