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Nada mais impróprio do que a articulação – que já envolve seis governadores – para enviar policiais militares ao Ceará como forma de abrandamento da crise criada pela paralisação dos policiais de lá. A inédita medida, além de carregada de questões de ordem jurídica, prática e ética, traz a agravante de que as unidades federativas fornecedoras desse socorro padecem de problemas idênticos ou similares aos que levaram a polícia cearense ao colapso. Em São Paulo, por exemplo, o governador João Dória não deve ignorar que a Polícia Militar possui “claros”, isto é, falta de preenchimento de 20% das vagas de seu quadro e os integrantes da corporação não recebem sequer a reposição inflacionária em seus salários há pelo menos dez anos. O salário insuficiente impede de morar bem e com segurança, priva de possuir veículo que livre de se encontrar, no metrô ou no ônibus, com os criminosos que combate no seu dia-a-dia, e levou praticamente toda a tropa a afundar-se em empréstimos e outros endividamentos. Como é que, com uma divida funcional e social dessa ordem, o estado vai ainda retirar mais policiais, veículos e recursos para remeter ao Ceará?

Os policiais militares cearenses estão, realmente, em descumprimento da lei e dos regulamentos, que impedem a classe de entrar em greve. Certamente irão responder por isso. Mas o governo do estado, seu empregador, e a Justiça, ao analisarem a questão, além das agravantes, precisam considerar também as atenuantes. Compreender, por exemplo, o que levou a classe a jogar sua estabilidade emocional e profissional para os ares. Examinar qual a situação em que vivem os grevistas e suas famílias. Não ignorar que, por inúmeras razões, os policiais apresentam elevado índice de moléstias de ordem psicológicas, suicídios, dissolução familiar e outros males que podem tê-los conduzido à explosão como verdadeiros humanos-bomba. Decidir sem olhar para os dois lados só servirá para agravar o que já está ruim.

Ainda mais: não se pode ignorar que existem reivindicações explícitas e com apoio de políticos em 12 estados e que, numa analise mais completa, conclui-se que a luta por melhores rendimentos é permanente nas polícias de todas as unidades da federação, inclusive no Distrito Federal, que recebe aporte da União e paga os melhores salários da classe. Mais do que punir quem fez greve, o importante é os governadores e até o governo federal buscarem a definição dos problemas reclamados pelos policiais militares sua solução. Devem considerar que, no quadro hoje vivido, o Ceará pode ser apenas a ponta de um iceberg com possibilidade de ser detonado a qualquer instante e ter dimensões maiores do que muitos imaginam. É importante observar que, se os Estados, a rigor, não têm como ajudar o Ceará, a União também não porque as Forças Armadas têm seu efetivo dedicado a outras tarefas. A GLO (Garantia da Lei da da Ordem) deve ser algo de curta duração e pronto a resolver uma situação momentânea, jamais para assumir a segurança pública, que é obrigação estadual.

Finalizando, é de se recusar a crença de que os governadores estão adotando essa atitude extremada e corporativa com mira nas eleições de 2022. Se isso acontecer, é o maior disparate político. Até porque ainda têm a obrigação de governar por três anos e só o que fizerem nesse período é que os credenciará a concorrer à reeleição ou, até, à presidência da República. Antecipar a disputa, chega a ser impatriótico... 

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves - dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) - aspomilpm@terra.com.br

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