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As festividades de final de ano são importantes momentos de celebração que reúnem familiares e amigos para comemorar o Natal e o Réveillon. Contudo, não raras vezes, tais comemorações resultam em excessos que acabam configurando poluição sonora. O problema se acentua na virada do Ano-Novo, período em que as festividades são acompanhadas de grandes aglomerações, eventos musicais e queimas de fogos de artifício com estampido, estes últimos proibidos em vários municípios brasileiros para proteger os animais e a saúde dos enfermos, idosos, bebês e portadores de transtorno do espectro autista.

Considerado um “inimigo poluente invisível”, o excesso de ruído é capaz de produzir efeitos adversos sobre a saúde e o bem-estar da população, reduzindo a qualidade de vida do ser humano. Portanto, a poluição sonora também viola o artigo 225 da CF-1988, o qual garante o direito ao meio ambiente equilibrado. Outrossim, além de provocar danos à saúde humana e à qualidade de vida, a poluição sonora também é capaz de acirrar conflitos de vizinhança, podendo provocar outras espécies de perturbação social.

É preciso ressaltar que há uma diferença conceitual entre som e ruído. Enquanto o primeiro é a emissão sonora agradável e prazerosa – como o canto dos pássaros, o som de uma cachoeira, uma música em volume agradável –, o ruído, palavra originária do latim rugitus, em referência ao rugido dos animais ferozes, é caracterizado como excesso sonoro, com efeito desagradável e perturbador aos ouvidos humanos e dos animais. O excesso de ruído pode provocar diversos efeitos negativos ao ser humano, tais como insônia, estresse, depressão, perda de audição, dores de cabeça, perda de concentração, aumento da pressão arterial, queda no rendimento do trabalho e redução de memória.

A Organização Mundial da Saúde aponta a poluição sonora como a terceira maior causa de poluição do planeta, alavancada nas últimas décadas pelo processo de urbanização, sendo superada apenas pela poluição do ar e da água. A necessidade de controle da poluição sonora remonta a períodos históricos, pois já na Roma antiga o trânsito de carruagens na cidade era controlado no período noturno para não afetar o sono da população. No cenário contemporâneo, as fontes de poluição sonora são as mais variadas, podendo ter origem em atividades industriais e comerciais, aeroportos, automóveis, casas de shows, manifestações públicas, eventos esportivos, templos religiosos, festividades com aglomeração de pessoas etc. Para as atividades nocivas ao meio ambiente, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) inclusive prevê o uso do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), instrumento de caráter preventivo que o poder público pode exigir antes da emissão de alvará de funcionamento de atividades poluidoras.

A Agenda 21 da ONU elencou o tema da poluição sonora como um dos grandes desafios das cidades, definindo que o excesso de ruídos deve ser eficazmente combatido pelo poder público para a proteção da saúde humana, fator que exige a fixação de parâmetros máximos para a exposição sonora. Essa medida preventiva consta na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), que arrola como um de seus instrumentos “o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental” (artigo 9º, I).

No âmbito federal, a Resolução 001/1990 do Conselho Nacional do Meio Ambiente define os critérios gerais para a emissão sonora, incluindo atividades industriais, comerciais, sociais e recreativas. A Resolução indica que os ruídos prejudiciais à saúde humana e ao sossego público são aqueles regulados pelas normas NBR-10.151 e 10.152, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, as quais definem parâmetros, em decibéis (dB), para a emissão sonora em áreas residenciais, comerciais e industriais, incluindo escolas, hospitais, bibliotecas, restaurantes, igrejas, atividades culturais e de lazer e turismo.

Conforme a NBR-10.151, que regula a emissão sonora em áreas habitadas, o ruído pode ser caracterizado como poluidor quando ultrapassa 55 dB no período diurno e 50 dB no período noturno em zonas mistas predominantemente residenciais. Já em zonas estritamente residenciais, escolas e hospitais, tais limites são reduzidos para 50 e 45 decibéis, respectivamente. Contudo, a NBR-10.151, que teve seus critérios atualizados em 2020, fixa inúmeros procedimentos técnicos para a caracterização da poluição sonora, situação que muitas vezes dificulta sua comprovação, pois a maioria dos órgãos fiscalizadores não dispõe de equipamentos adequados e calibrados para aferir a poluição sonora.

E quais são as consequências jurídicas da poluição sonora? Além de medidas administrativas (aplicação de multas) e civis (ações judiciais para restringir ou proibir o funcionamento da atividade poluente), a poluição sonora também pode configurar infração penal. Nos casos de menor gravidade e nas situações de emissão de ruídos esporádicos, a poluição sonora é enquadrada como contravenção penal de perturbação do sossego alheio (artigo 42 do Decreto-Lei 3.688/1941), sendo punida com prisão simples e multa a conduta de perturbar o trabalho ou o sossego de alguém com gritaria, algazarra, profissão incômoda ou ruidosa, abuso de instrumentos sonoros e barulho com animais de estimação. Já o crime de poluição sonora é reservado para condutas mais graves, sendo definido pelo artigo 54 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) como a poluição de qualquer natureza que possa causar danos à saúde humana ou mortandade de animais, punindo-se com reclusão de um a quatro anos e multa. Contudo, por envolver uma atividade nociva de caráter permanente, a configuração desse crime exige laudo técnico que comprove a poluição sonora e o risco que tal atividade possa provocar à saúde humana ou aos animais.

Como resolver uma situação de poluição sonora? Caso ela atinja determinados moradores ou a coletividade, afetando a qualidade de vida, a saúde, o descanso ou o trabalho, os prejudicados devem registrar uma ocorrência na Delegacia de Polícia e uma reclamação na Ouvidoria do Município para comprovar os fatos. Se a situação é momentânea, a exemplo de festas com ruídos excessivos na vizinhança, em condomínios ou edifícios, o interessado deve acionar a Polícia Militar para evitar conflitos pessoais, pois o órgão policial pode adotar medidas imediatas para coibir a prática ou impedir sua continuidade. Caso a situação seja mais grave, com poluição sonora constante, a exemplo de casas de eventos, bares e atividades industriais e comerciais, o interessado deve procurar a Promotoria de Justiça de sua comarca para que seja registrado o caso e instaurado um procedimento investigatório.

Enfim, tanto as festividades de final de ano quanto as atividades de rotina exigem algumas cautelas, sendo essencial que as comemorações e as atividades comerciais sejam exercidas de forma equilibrada para evitar o surgimento de conflitos e, sobretudo, o descumprimento da legislação que regula a poluição sonora.

Giovani Ferri é  Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná. Coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema)da Região Oeste do Paraná. Mestre em Direito Público pela Unisinos (RS), especialista em Direito Ambiental pela UFPR, membro da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e da Rede Latino-Americana de Ministério Público Ambiental (Redempa).

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