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Todo dia, toda hora, em algum lugar, alguém está falando a nós, o povo. Falam-nos nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas tribunas, nos púlpitos, nos palanques sobre o que nós, o povo, queremos. E sempre há alguém acusando outrem, por estar fazendo as coisas de modo diverso daquele que nós, o povo, desejaríamos. Essa apropriação, que nos converte em gado do discurso alheio, é uma espécie de abigeato praticado cotidianamente. Muitas vezes, a verdade nos é roubada e a mentira vendida ao povo.

Há no povo homens e mulheres; há crianças, jovens, adultos e idosos (e também jovens idosos e adultos infantis); há pessoas instruídas e incultas, bem como sábios incultos e acadêmicos tolos; existem pessoas dos campos e das cidades, do febril anonimato das grandes metrópoles e das pequenas comunidades urbanas onde todos se conhecem; há pessoas de várias classes sociais e níveis de renda; há no povo uma diversidade cultural, racial e religiosa. Em cada grupo encontraremos bons e maus, trabalhadores e vadios, pessoas com e sem esperança, enfermos e sãos, cada qual com suas debilidades e fortalezas, vocações, inclinações e tendências políticas.

Tudo isso é povo. Como pode alguém, pois, apropriar-se de todos e de cada um, como enlouquecido aparelho de rádio que sintonizasse, simultaneamente, o conjunto das emissoras? Ninguém, a rigor, tem o “povo” nas mãos, seja governo, seja oposição. (Espero que me entendam, quando digo isso, aqueles que mais precisam entender).

Lembro-me do governo Olívio Dutra e do Orçamento Participativo (OP). Segundo seus promotores, aquilo era uma forma de atribuir ao “povo”, a decisão sobre o destino das verbas públicas. E o “povo” ia para lá e para cá nas assembleias do OP. Nelas o “povo” deliberava exatamente sobre os gastos não obrigatórios, as tais despesas discricionárias de que hoje tanto se fala. No final do processo, todo o “povo” convergia à Praça da Matriz para um grande comício com bandeiras vermelhas e palavras de ordem. Ali, testemunhavam algo insólito: a trepidante e inolvidável entrega do Orçamento do Estado à Assembleia Legislativa. Juro para vocês! Eu vi isso acontecer, mais de uma vez... As velhas entranhas do Theatro São Pedro, no outro lado da praça, roíam-se de inveja por nunca haverem reunido tanto público nem tantos talentos da nobre arte de representar. Ah! Claro, nenhum OP estadual gaúcho cumpriu, senão minimamente, o que foi deliberado pelo “povo”. O contingenciamento sempre pegou firme.

Na recente mobilização do “povo” pela Educação, que ganhou repercussão nacional, eu assisti a uma repórter da Globo sublinhando que o ato não era político nem partidário... Qualquer imagem em close ou microfone aberto mostrava justamente o contrário nos cartazes, nas cores, nos símbolos, nos discursos. A Educação, a pobre e deficiente Educação nacional, foi intensamente maltratada, aliás, na gramática, no desapreço à verdade dos fatos e no escancarado paradoxo de quem silenciou em todos os contingenciamentos promovidos pelos governos petistas (cumprindo a lei, diga-se de passagem), e sai aos berros quando outro governo adota o mesmo procedimento.

Existem políticos, jornalistas, sindicalistas, militantes, professores, que têm verdades de fabricação caseira. É uma produção barata, que conta com logística estruturada para circulação e distribuição.

Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Puggina@puggina.org

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