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Dançarina Solange Mello apresenta “A Solidão é Azul”, espetáculo que mescla expressionismo e butoh para abordar os limites da loucura e as máscaras sociais. Produção é uma parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de Ibiporã

 “Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano é só”. As palavras de Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres poderiam resumir “A Solidão é Azul”, espetáculo que a dançarina Solange Mello, de Londrina, apresenta no Festival de Teatro de Ibiporã (Festibi) nesta quarta-feira, dia 24 de outubro, às 20h30, no Cine-Teatro Pe. José Zanelli, com entrada gratuita. O que se vê no palco em pouco mais de meia hora de dança expressionista é a via-crúcis de uma mulher abandonada aos próprios fantasmas, desde a dor do desamparo até a tentativa de redenção.

A montagem marca a volta da artista à cena após um longo recesso e um processo de depressão, que transparece na coreografia como dado autobiográfico. A personagem transita por estágios que refletem a solidão das pessoas que sofrem do transtorno psiquiátrico e, principalmente, a incompreensão e a condenação da sociedade. Na trilha sonora, entre notas líricas do piano e momentos de cordas tensionadas, vozes anônimas gritam frases como “desmancha essa cara de louca!”.

Ações sonoras para as quais o corpo da intérprete reage ora com expressões pungentes, ora com a sutileza de pequenos movimentos nas extremidades dos membros. Característica da dança oriental butoh, que Solange pesquisa há pelos menos duas décadas e que incorporou de modo muito pessoal à sua arte. “O butoh necessita de uma carga de vida mais extremada. Eu desenvolvi o meu butoh, fruto das minhas vivências”, explica. A direção, cenografia, figurino e iluminação é do ibiporãense Leander Lincoln.

No cenário, inicialmente, há poucos elementos: uma escada e uma velha cadeira, com as quais a dançarina interage evocando imagens que lembram o medo da aproximação diante do outro, o tênue limite entre sanidade e loucura, e o baile de máscaras sociais que precisamos inadvertidamente integrar para sermos aceitos.

Em um segundo momento, a cenografia de “A Solidão é Azul” expande-se. Uma colcha de crochê tecida pela própria intérprete ao longo da concepção do espetáculo é uma espécie de trama na qual ela se enreda enquanto mergulha nas águas da memória. Um recorte do mar revela um mundo onírico ao contrário. Nos seus reflexos surge uma cadeira invertida e os retorcidos galhos secos de numa árvore, que são metáfora de uma alma ressequida pela dor. “Eu gosto de cenários assim, que tenham carga, história”, resume.

A presença das águas como elemento de purificação e redenção não é nada fortuita. “Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos”, diria a mesma Clarice Lispector, no livro já citado. Solange conta que, em momentos de solidão, observava da sacada de sua casa uma piscina bem cuidada no quintal de uma vizinha, com uma enigmática cadeira envelhecida. Em determinado momento do tratamento, resolveu também passar alguns meses na praia de Itapema (SC), onde praticava a biodança nas areias, ao som das ondas.

“Uma noite, eu tive um sonho sobre a praia e percebi que poderia ser minha salvação. Larguei tudo para não me entregar à loucura. No sonho, havia muitas pedrinhas brilhantes na areia e alguns aconselhavam: ‘pegue só as pedrinhas mais velhas e mais opacas que você vai entender a verdade’. No litoral, encontrei muitas pessoas mais velhas que também estavam ali se curando”.

Com 55 anos de idade e recuperada da depressão, Solange salienta o desejo e a necessidade de permanecer no palco – “existe algo que dança aqui dentro e que preciso trazer ao mundo”. Também destaca como a maturidade contribui para o tipo de movimento que ela realiza em cena. O caminho que a levou à dança foi ocasional, após ser impedida de realizar outros tipos de atividade física em razão dos tremores provocados por um choque anafilático quando tinha 30 anos. Nesta época, em 1993, começou a fazer balé clássico e jazz com Rosania de Almeida, professora da APAE de Ibiporã, e, mais tarde, descobriu a expressão corporal com Paz Aldunate, que foi quem lhe apresentou também o butoh. Desde então, realizou cursos com importantes nomes como Setsuko Yamada, Yves Lebreton e Yumiko Yoshioka.

O solo “A solidão é azul” estreou em sua versão integral no 16º Festival de Dança de Londrina, no início do mês. Um pequeno trecho de cinco minutos foi exibido no 24º Mercosul em Dança, em setembro, na Argentina, para o qual Solange foi convidada.

Renato Forin Jr./Asimp

#JornalUnião

Foto: Wagner Dias/Divulgação

Foto: Fabio Alcover - Festival de Dança de Londrina/Divulgação

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