Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.
Cultura 05/08/2020  08h56

Crônica: A Bacia Grande

Dona Josefina gritava para dona Tereza trazer a bacia grande. Dona Tereza subia o barranco arrastando a gordura do corpo.

Suava como um pedreiro sob o sol do meio dia em cima da laje. Corria dona Tereza para buscar a bacia grande na casa de dona Chica.

As passadas de dona Tereza eram como pisadas de elefante sobre a terra. Os seios batiam-lhe o rosto, o quadril enorme esbarrava nas crianças e as atiravam para longe. O rosto vermelho, a testa franzida e a boca aberta.

A bacia grande... a bacia grande... a bacia grande...

O vento na tarde soprava uma poeira fina sobre os barracos de madeira.

Homens sem camisa separavam latas de alumínio nos quintais sujos de entulho e as crianças brincavam de luta rolando como gatos no areal do final da rua.

Dona Tereza adentra à casa de Dona Chica, esbaforida e suando uma mina d`água.

Apanha a bacia grande e sai do barraco sem falar nada e nem por quê. 

Desce dona Tereza pelo barranco da rua em direção à casa de dona Josefina. Carrega os grandes seios, o grande quadril e a bacia grande. Esbarrando nas crianças e as atirando para longe. Gemia enquanto seus ossos estralavam pelo esforço da corrida. A bacia escorregava de sua mão, girava sob seu corpo, refletia o sol da tarde em seus olhos.

Dona Josefina... dona Josefina... dona Josefina...

Olhando para minha mãe estava o grande Jesus Cristo pregado na cruz pregado na parede.

Dona Josefina apertava o barrigão de minha mãe, deitava-se sobre ele, queria que eu saísse. Minha mãe atarracava nas barras de ferro da cama do quarto enquanto contorcia-se de dor.

Dona Tereza entra trazendo a bacia: Água quente. Limpe o sangue, limpe o que sair!

Todos faziam força. Muita força para que finalmente ouvissem o choro recém-chegado

E eu chorei pra valer, toda vila miserável ouviu meu choro. Os mais otimistas sorriram e os pessimistas fizeram beiço porque mais um pobrezinho vinha somar às estatísticas.

Minha mãe suada e descabelada me abraçou e me colocou ao seu peito. O pequeno joelhinho de gente mamava alheio ao que estava em sua volta. Depois fui limpo na água quentinha em minha bacia grande. 

Presente de dona Chica. 

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

rodrigojacutinga@hotmail.com

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.