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Cultura 05/07/2021  10h21

Crônica: A campainha

Aquele cheiro de cigarro fedido era jogado em minha cara quando o pedreiro dizia:

- Está instalada a sua campainha, agora é só apertar aqui e blim-blom, ela toca, se apertar duas vezes blim-blom, blim-blom, ela toca duas vezes.

-Tá bom, tá bom, quanto é?

- É apenas cinquenta reais, e olha que tá barato.

- O quê? Cinquenta reais só para colocar essa buzina?

- Não é buzina meu filho, é campainha.

- Não interessa, está muito caro, eu não vou pagar!

- Tá bom, se não quer pagar, não paga. Eu vou embora.

 O pedreiro vai embora assobiando uma antiquíssima canção sertaneja ao mesmo tempo que ia fumando aquele maldito cigarro estoura peito.

Mas tudo bem, pelo menos minha campainha estava pronta. Agora sim, quando chegava alguém, blim-blom, e eu atendia. Era muito emocionante atender a porta após o tocar da campainha. Estava tão perfeito, tão legal ter minha própria campainha.

Num certo dia, às três horas da madrugada minha campainha toca, acordo assustado e vou atender, não era ninguém. Volto a dormir. No dia seguinte na mesma hora a campainha toca novamente, vou ver e não era ninguém, volto a dormir. Acabo de deitar e a campainha toca, vou ver e ninguém lá fora.

Fico pensando: quem será que está brincando comigo, por que será?

No outro dia fico acordado até ás três horas e a campainha toca, abro a porta imediatamente e não é ninguém.

Caramba! O que está acontecendo com minha adorável campainha?

Peço para outro pedreiro ver o que era, e ele diz que estava tudo certo.

Chamo um padre para benzer minha estranha campainha, e mando celebrar uma missa para a coitada. Não adianta. Na mesma hora da madrugada ela toca novamente.

Começo a achar que aquele pedreiro fez alguma coisa na campainha, por isso é que ele não reclamou quando não o paguei.  Vou a procura dele, se chamava João, sempre o encontrava num barzinho, sentado numa mesinha isolada, sozinho fumando seu cigarro.

Pergunto ao garçom se havia visto o homem, e ele me dá uma notícia aterrorizante: esse homem havia morrido há um ano, sempre frequentava aquele bar, mas nunca havia pago suas contas, morreu endividado, sem nenhum tostão no bolso.

O homem que havia instalado minha campanha era uma alma penada!

Não sabia o que fazer. Esperei o dia clarear e fui até o cemitério, onde encontrei seu jazigo, pensei um pouco e resolvi depositar o dinheiro que ele havia me cobrado sobre o túmulo.

Ao chegar em casa demorei um pouco para me refazer e esperei até a noite, quando foi três horas da manhã, a campainha não mais tocou.

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores. rodrigojacutinga@hotmail.com

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