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Cultura 21/03/2022  09h01

Crônica: O apagão

E de repente, tudo escureceu. Ao sair para fora de suas casas, os moleques estavam nas calçadas perto de seus pais, que conversavam curiosos para saberem o porquê de a energia elétrica ter acabado.

Aos poucos, as crianças começam a escapar para a rua e se juntam em frente minha casa. Brincar naquele escuro estava fora de cogitação, o mais legal naquelas ocasiões era tentarmos assustar uns aos outros.

— Quando está escuro assim, costuma aparecer o Capeta da Mata!

Muitos já começavam a arregalar os olhos, com uma pontada de medo misturado a um ceticismo incerto.

— Para de falar essas coisas, senão os moleques não vão dormir à noite!

Os mais velhos tentavam mostrar coragem, e dizer que os mais novos iriam ficar com medo era uma maneira de cortar aquele papo, porque também estavam ressabiados com os causos de assombração.

— Esse negócio de fantasmas, espíritos e almas penadas é tudo balela. Mas a gente não pode esquecer que o Joãozão Risca-Faca fugiu esses dias da cadeia e deve estar escondido em algum mato por aí. 

Agora danou-se. Medo de fantasmas eu não tinha. Agora, medo de gente viva era outra história, ainda mais se tratando do Joãozão Risca-Faca, que tinha matado um homem num boteco da periferia por causa de truco.

— Ele cortou o pescoço de um sapo que ficava dando sinal para seu adversário na mesa. Quando o sujeito olhou seu zap e deu sinal para o outro, Joãozão tirou a peixeira da cintura e passou na jugular do zoiudo!

— Credo! Vamos mudar de assunto. - Diziam duas meninas que entraram na conversa dos moleques por curiosidade, e também para sentirem medo.

Era legal sentir medo. Quanto mais medo, mais legal ficava.

Mas quase alguns dos meninos fizeram xixi nas bermudas, quando um engraçadinho soltou uma Bombinha Mil ali perto.

BUMMMM!

Nessa hora, cada um correu para sua casa e não saíram mais.

Observando o tremular da chama da vela, eu fazia animais com as mãos na sombra da parede. 

— Melhor a gente ir dormir, porque essa força não vai chegar tão já!

Minha mãe carregava a vela para meu quarto, e quando já estava deitado olhando a vela ir diminuindo de tamanho, enquanto o sono estava bem longe de chegar, ficava lembrando nos causos de almas penadas e no Joãozão Risca-Faca. Nessa hora o corpo tremia e as sombras na parede pareciam estarem vivas de verdade. Cobria a cabeça com o cobertor, mas o medo era maior. Teria que correr para o quarto da mãe.

Mas, buscava força e coragem para não demonstrar minha covardia, até que repentinamente, as luzes se ascendem, e um coro de gritos na cidade inteira anunciava o fim do apagão. 

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores. rodrigojacutinga@hotmail.com

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