Grafatório lança o livro Porque Eu Odeio, do poeta jamaicano Claude McKay, neste sábado
Fundador do movimento Renascença do Harlem, McKay tem seus poemas traduzidos pela primeira vez para o português
Versos sobre a imigração e as saudades das origens. Sobre a negritude e a intensidade dos conflitos com o preconceito. E principalmente, versos sobre o ódio – o ódio que a diferença pode despertar e, também, o ódio que é necessário para combater a imposição da mesmice.
O parágrafo acima poderia estar descrevendo a obra de um poeta jovem, contemporâneo, atento às discussões e a alguns dos problemas mais urgentes do presente. Mas não – estamos falando de poemas escritos há uma centena de anos por Claude McKay (1889-1948). A atualidade de seus escritos fez com que o poeta jamaicano ganhasse, agora, sua primeira edição no Brasil: Porque Eu Odeio, livro que acaba de ser publicado pelo selo londrinense Grafatório Edições. Uma antologia bilíngue que reúne 24 poemas de McKay traduzidos pela primeira vez para o português por Felipe Melhado e Gabriel Daher. A obra será lançada neste sábado (7), às 19h30, na Vila Cultural Grafatório (Av. Paul Harris, 1575), com entrada franca.
Característica das publicações da Grafatório Edições, a edição de Porque Eu Odeio conta com um projeto gráfico marcante, assinado pelos designers Maikon Nery e Pablo Blanco. A obra foi impressa em tintas prata e cobre sobre papéis pretos, contando ainda com imagens reproduzidas de monotipias realizadas pela dupla. A tiragem é limitada a 360 exemplares. Além dos poemas de McKay, a edição traz também dois textos complementares escritos pelos tradutores, que contextualizam a vida e a obra do escritor, introduzindo-o ao leitor brasileiro.
Nascido em Clarendon Parish, na Jamaica, McKay pode ser um considerado uma espécie de rapper antes do surgimento do rap. Ainda na juventude, o poeta imigrou para os Estados Unidos e, vivendo em Nova Iorque, foi um dos fundadores do movimento conhecido como Renascença do Harlem. No início do século XX, essa corrente artística recuperava o orgulho social e cultural do bairro nova-iorquino, criando laços afetivos e de pertencimento entre seus habitantes. Os poemas de McKay tratam da vida noturna e diurna nas quebradas do Harlem, e de seus afetos e desafetos pessoais nesse contexto – sem deixar de expressar, como fazem os rappers contemporâneos, os anseios de todo um estrato social.
Neto de escravos, bissexual, odiado pelos conservadores e incompreendido pelos intelectuais de esquerda, McKay foi um imigrante impulsivo, um viajante em imparável nomadismo. Esta inquietude fez com que o escritor se aproximasse de diversas personalidades internacionais de sua época, como o ator e diretor britânico Charlie Chaplin, a poetisa americana Edna St-Vincent Millay, o poeta russo Vladimir Maiakovski, o revolucionário russo Leon Trótski, o escritor irlandês George Bernard Shaw, entre tantos outros que cruzaram seu caminho.
No lançamento do livro, a Vila Cultural Grafatório irá receber o rapper londrinense Welliton Baptista, que declamará alguns dos poemas de McKay acompanhados de batidas produzidas por Thales Malassise, do grupo londrinense de rap UZI. O evento contará ainda com uma pequena exposição sobre o processo de criação gráfica de Porque Eu Odeio.
O livro será vendido a R$50,00 (em dinheiro ou cartão), e o Bar About estará aberto servindo comes e bebes.
Três poemas de Claude McKay retirados de Porque Eu Odeio (trad. Felipe Melhado e Gabriel Daher):
A Cidade Branca
Eu não vou brincar com isto e nem me curvar.
No fundo das câmaras secretas do meu coração
Idolatro meu ódio perpétuo, e sem hesitar
Suporto-o nobremente vivendo meu quinhão.
Eu seria um esqueleto, uma concha ao léu,
Se essa Paixão negra que me dá sentimentos brutais,
E no inferno do mundo dos brancos faz o meu céu,
Não me nutrisse para sempre com seus fluidos vitais.
Através de uma névoa vejo a cidade em seu clamor –
Os trens estridentes que aceleram a irritada massa,
Os postes e campanários e torres beijados pelo vapor,
O forte pelo qual os grandes navios passam,
As marés, os cais, os covis e antros em que vagueio,
São doces como amores devassos porque eu odeio.
*
Se Devemos Morrer
Se devemos morrer, que não seja como porcos
Caçados e encurralados em um lugar inglório,
Enquanto latem os cães famintos e raivosos,
Debochando de nosso povo entre risos mórbidos.
Se devemos morrer, ó vamos morrer como nobres,
Para que nosso precioso sangue não seja derramado
Em vão; assim apesar de nossas mortes
Até os nossos monstros terão nos honrado!
Ó camaradas! devemos enfrentar o inimigo geral!
Apesar de em menor número, estaremos alertas,
E para seus milhares de golpes, um golpe mortal!
O que existe para nós além da cova aberta?
Como homens enfrentaremos o assassino, covarde bando,
Oprimidos contra o muro, morrendo, mas sempre revidando!
*
Como Uma Forte Árvore
Como uma forte árvore que em terra virgem
Se enraíza pela argila pela pedra e pela lama
E com orgulho prospera pela chuva ou estiagem
Quando tempestades os sopros secos espantam;
Como uma forte árvore que desce às profundezas,
Para a água negra, para o fluido fundo
Onde os vermes cegos e anelados rastejam,
E coisas estranhas do baixo mundo abundam:
Eu viveria assim em nobre crescimento,
Tocando a superfície e a profundeza de tudo,
Com instintos sensíveis aos dois elementos,
Provando as doçuras e as dores do mundo,
Sentindo o sutil feitiço das transformações,
Como uma forte árvore contra mil trovões.
(Vila Cultural Grafatório)
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