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O projeto Londrina em Cena, realizado pelo Sesc Cadeião Cultural, estreou em 2015 com o objetivo de fortalecer a produção cênica da cidade, promovendo e valorizando o trabalho de artistas que contribuem para o enriquecimento cultural de Londrina, que já foi referência nacional e internacional em produção/criação artística nas décadas de 70 e 80.

Em 2016 o projeto retoma suas atividades para uma segunda edição mais diversificada, com programação estendida, de abril a dezembro, contemplando a participação de companhias locais e de demais regiões do Paraná e do Brasil, com o propósito de promover o encontro, a troca de saberes, o enriquecimento cultural e a reflexão acerca das potências criativas que permeiam o território das artes cênicas e suas fronteiras.

Tempo de delicadezas

No poético espetáculo “Ovo”, o grupo Agon Teatro aposta na dramaturgia autoral e na invenção cênica para a reelaboração de personagens trágicos

Dois irmãos que viveram parte da vida no campo se reencontram na cidade em um momento decisivo: a morte da mãe. Em uma viagem familiar rumo ao passado e em direção às raízes, o Agon Teatro (Londrina-PR) apresenta a montagem “Ovo”, que, desde a estreia no início de 2015, tem emocionado plateias e atualizado para o cotidiano temas universais da tragédia. O trabalho tem dramaturgia e direção de Renato Forin Jr., que também está em cena ao lado da atriz Danieli Pereira. O grupo teve orientação cênica do célebre diretor Marcio Abreu, da Companhia Brasileira de Teatro.

Édipo e Electra são personagens gregos evocados nesse drama familiar brasileiro. “Ovo” remete liricamente ao universo rural, ambientando o espetáculo num antigo galinheiro onde os irmãos, na infância, trabalhavam e brincavam. “O lugar indica a permanência dos espaços afetivos na memória. O mesmo poleiro é uma alegoria para o centro urbano, onde pessoas anônimas, a exemplo das aves, vivem num eterno alheamento, movendo-se aos solavancos, ciscando os cantos do mundo”, comenta o autor.

Em sua dramaturgia, Renato Forin desconstrói os mitos originais e elabora uma fábula inédita. Os sentimentos e tabus familiares são trabalhados de forma poética e metafórica. Electra parte do sítio para encontrar Édipo na cidade e dar a notícia do falecimento da genitora. Neste instante de desespero, afloram-se as pendências de um passado permeado por dor e ciúmes - circunstâncias que levaram Édipo ao exílio. Aos poucos, os espectadores desvendam a trama, oferecida em fragmentos e com idas e vindas temporais.

A recorrência aos dois personagens da tragédia grega atualiza temas atemporais na história do teatro como a força inexorável do destino, a figura divina, a perplexidade diante da morte e a fragilidade dos laços familiares. Entretanto, os personagens de “Ovo” aparecem revestidos de uma humanidade cotidiana, o que faz com que suas narrativas espelhem-se no drama pessoal de cada um dos espectadores.

Reflexões sobre o tempo

A história de “Ovo” intercala momentos narrativos que expõem os sentimentos entre os irmãos, suas relações paternais e a fragilidade dos afetos diante de circunstâncias extremas como a morte e a passagem do tempo, o desaparecimento de quem se ama e a ausência de respostas para quase tudo o que realmente importa. “É uma percepção apurada de que o tempo vai passando, vai varrendo as lembranças, as histórias e os próprios membros da família”, explica Renato Forin.

Ao passo que conserva uma essência lírica, a dramaturgia apresenta inovações formais que a enquadram no chamado drama contemporâneo: a cisão do tempo, o espaço imaginário, a linguagem extracotidiana, o fluxo de consciência, o metateatro. “Com o teatro, eu zombo do despotismo do tempo. Eu transmuto no palco o que a existência me entrega como veredito”, diz o personagem Édipo.

Em vários momentos, os atores parecem despertar da trama para refletir sobre a ilusão teatral - tão próxima da representação da vida, onde a morte é sempre o ato final. A intenção é que a peça sensibilize os mais diversos públicos. “A montagem pode ser lida como uma história familiar, comum a todos nós, ou interpretada de forma mais técnica ou por um viés psicanalítico”, destaca Danieli Pereira.

O texto propõe uma encenação em arena, para um público reduzido, o que facilita a proximidade com os espectadores. A ideia, de acordo com Renato Forin, é praticar a invenção formal, própria da linha contemporânea, sem perder a essência do teatro – o encontro, a reflexão, a efemeridade do gesto artístico.

No espetáculo, a cenografia constrói-se aos poucos, a partir de um jogo cênico com caixas de madeira. Na maior parte do tempo, os personagens estão em um galinheiro circular, recoberto por palha de arroz. Há uma mudança cromática nos figurinos e no cenário. Uma transformação do cinza para o ocre, do urbano para o rural, que também ecoa na sonoplastia. “Os elos entre a cidade e o campo são trabalhados nas paisagens sonoras e nas músicas”, conta o diretor.

O grupo

Criado em Londrina há três anos como um grupo de pesquisa, o Agon Teatro investiga a encenação e a dramaturgia contemporânea. Sediado na Vila Usina Cultural, mantém uma rotina de ensaios e treinamentos baseados em linhas de força da tradição (ensinamentos dos grandes mestres).

É a partir dessa proposta que seus fundadores, Renato Forin Jr. (doutorando em letras com ênfase em dramaturgia, ator e jornalista) e Danieli Pereira (bacharel em artes cênicas pela UEL, atriz e produtora cultural), pretendem desenvolver suas montagens, trabalhando também com artistas convidados.

Nesta primeira montagem - patrocinada pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Londrina (Promic) -, o grupo conta com a criação sonora de José Carlos Pires Junior, desenho de luz de Maria Emília Cunha e figurino de Nathalia Oncken.

Convidado especial - O Agon teve importante respaldo com a orientação cênica de Marcio Abreu, nome de destaque do teatro brasileiro atual. Para o encenador, que acaba de estrear no Rio de Janeiro o espetáculo “Krum” (parceria da Cia. Brasileira com a atriz Renata Sorrah), “Ovo” mostra uma tentativa de explorar o texto de forma bastante singular. “Há uma interseção forte entre literatura e teatro. O campo visual e o sonoro. É uma dramaturgia rica em interfaces”, diz.

Marcio Abreu destaca a força da relação entre texto e encenação. “Esses campos se articulam tão bem neste trabalho que se tornam indissociáveis. Por isso, é o

foco de atenção. Esta é uma tentativa muito séria e cuidadosa de expandir a dramaturgia.”

Na opinião do dramaturgo, poder dedicar um tempo a artistas que estão começando dessa maneira sensível e com a radicalidade a que eles se propuseram é uma tarefa prazerosa. “É bonito ver jovens se relacionando no teatro com o nível de pesquisa que eles desenvolveram. Isso é muito positivo”.

Apoio: Àmen, Usina Cultural, Funcart e Rádio UEL 

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