Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

Entenda a doença vivida pela vencedora da premiação

Julianne Moore esbanja talento interpretando Alice – mulher com Alzheimer que, apesar de nova para ser portadora da doença, tem estágio de rápida evolução. Excelência e domínio sobre o personagem garantiram à atriz o lugar de favorita ao Oscar meses antes da premiação. Não somente, também lhe rendeu estatuetas importantes até chegar ao tapete vermelho desse domingo: Bafta, Critics’ Choice, Globo de Ouro de atriz dramática e SAG Awards.

Aos 54 anos, Moore dá vida à professora de linguística que teme esquecer-se de palavras, nomes e piadas, sentindo vergonha de si mesma. Aos poucos o sentimento de derrota surge, deixando a narrativa mais dolorosa ao doente e aos espectadores. Infeliz e precisando-se adaptar-se às desorientações e a inevitável falha de memória, durante uma cena Alice diz ao marido que preferia ter câncer ao ter Alzheimer.

Baseado no romance de Lisa Genova, Para Sempre Alice concentra-se no processo de despersonalização, decorrente da evolução da doença, e a espera diária pelos efeitos mais pesados da patologia, perdendo a noção de quem é; o que já fez; e quais são os amores de sua vida. Além disso, também é colocada na tela de cinema como a família deve aprender a lidar com as novas condições do individuo – enquanto alguns vínculos são fragilizados, outros se fortalecem.

O filme estreia no Brasil em 12 de março e exibe o drama de uma esposa, mãe de três filhos e praticante de palavras cruzadas atingida pelo declínio de suas funções cognitivas. Os sinais aparecem aos poucos, enfraquecendo sua identidade segura e culta. O grande mérito desta longa metragem é de colocar a enfermidade como ponto inicial, sendo porta de entrada para discutir temas universais.

No Brasil e no mundo, o Alzheimer é um problema de grande dimensão e pouca discussão e conscientização. Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), cerca de 20 milhões de brasileiros têm mais de 60 anos de idade (IBGE, 2010) e 6% deles sofrem da doença, sendo o tipo de demência mais comum.Com o envelhecimento populacional, aumenta o número de casos em todo o mundo e estima-se que 44 milhões de pessoas atualmentesão portadores dela. Em 2050, pode chegar a 106 milhões, quando a faixa etária de maior risco, após os 65 anos, representará 22% da população mundial. Nos Estados Unidos, é a quarta principal causa de morte de idosos entre 75 e 80 anos – atrás apenas do infarto, derrame e câncer.

Sintomas

A enfermidade provoca declínio das funções intelectuais, diminuindo a capacidade de trabalhar e de realizar adequadamente atividades rotineiras. A priori, a memória recente é afetada. Com a progressão, os déficits aumentam e afetam a capacidade de orientação, compreensão e atenção. “Em casos mais graves, o paciente é totalmente dependente, precisando de ajuda em ações simples como alimentar-se, vestir-se e higienizar-se”, explica dra. Sonia Brucki, membro do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva da Academia Brasileira de Neurologia.

O neurologista Márcio Balthazar, secretário do Departamento, orienta às famílias que respeitem as deficiências dos doentes e não confrontem o déficit de memória; distraí-los e acalmá-los é o melhor caminho.

Além da confusão e da desorientação, há manifestações, ainda, de ansiedade, agitação, alucinação e desconfiança. O senso crítico e a tomada de decisões são danificados. No que se refere à alteração de personalidade, Balthazar defende que “os traços apenas acentuam-se, sobretudo a teimosia. Por exemplo, se a pessoa é mais introvertida, a depressão pode aparecer conforme a intensidade da doença”.

“Quando o diabetes está descontrolado, há um avanço significativo da doença. Quando os níveis estão muito elevados, a noção cognitiva é alterada, colaborando para a piora rápida da demência”, explica Norberto Anízio Ferreira Frota, presidente do Departamento da ABN.

A demência ocorre progressivamente. Ao alcançar níveis mais sérios, o paciente passa a se perder em locais conhecidos,a emagrecer, asofrer de incontinência urinária e fecal, além de problemas de comunicação, com movimentos e fala repetitiva, distúrbios do sono e vagância.

Para evitar os problemas com o sono – tanto o excesso, quanto a falta – a neurologista Sonia Brucki explica que os atos de dormir e acordar devem ocorrer em horário adequado,eliminando os cochilos durante o dia. Evitar bebidas com cafeína no horário da tarde e desfrutar o sol matinal, que age como importante regulador do sono.

“Todos, população e profissionais da saúde, precisam ter consciência de que as alterações cognitivas não fazem parte do envelhecimento normal. Aos primeiros sinais, o médico deve ser procurado para realizar o rastreamento da doença”, ressalta Brucki.

Tratamento

A terapêutica medicamentosa ameniza e retarda os efeitos da doença, visando à correção do desequilíbrio químico do cérebro. Os sintomas psicológicos e comportamentais são tratados com remédios específicos e controlados, indicados para o controle da agitação, agressividade, alteração do sono, ansiedade, depressão, apatia, alucinações e delírios.

Os horários e as doses devem ser rigorosos. É importante que qualquer alteração ou reação inesperada seja comunicada ao médico que acompanha o tratamento para os possíveis ajustes. É veementemente proibido testar modificações por conta própria, o que acarretaria em prejuízo no controle dos sinais da doença.

Métodos alternativos são empregados para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar do paciente, como terapias ocupacionais, fisioterapia e fonoaudiologia. Atividades de estimulação cognitiva beneficiam a preservação de habilidades, favorecendo sua funcionalidade.

É importante manter o contato social com amigos e familiares, tal como a prática de exercícios físicos que favorecem a coordenação, força, equilíbrio, flexibilidade e percepção sensorial.

A recomendação é a de estimular a atenção, a memória, a linguagem e o pensamento lógico, conservando o cérebro ativo de forma ampla e frequente. Porém, o objetivo não é reverter, mas, sim, permitir um funcionamento melhor perante aos novos parâmetros.

Fatores de Risco

Estudo sueco publicado em outubro de 2014 na revista científica Neurology chegou à conclusão que, após 40 anos de trabalho, mulheres ciumentas, ansiosas e mal-humoradas são mais suscetíveis a desenvolver o Alzheimer.

Saindo do viés clássico de análise - fatores genéticos, neurológicos, cardíacos e escolaridade – o foco das pesquisadoras foi personalidade e como ela afeta o comportamento e o estilo de vida, bem como a reação ao estresse. Acompanharam 800 mulheres de 46 anos, em média, e aplicaram testes de neuroticismo (facilidade do indivíduo de se desestabilizar emocionalmente). Ao final, 19 desenvolveram a doença – sendo que 16 delas eram introvertidas e estressadas.

“Mulheres com menos contato social estão no grupo de risco, assim como as depressivas”, informa Frota.

Realizado por cientistas franceses e canadenses, uma pesquisa publicada em setembro de 2014, no periódico BMJ, verificou que o uso por mais de três meses de calmantes à base de benzodiazepínicos (Rivotril, Valium, Lexotan e Lorax) eleva em 51% o risco de desenvolver a doença. Participaram 8.980 pessoas com mais de 66 anos. Destas, 1.796 tinham o diagnóstico da enfermidade; mais da metade usaram benzodiazepínicos em alguma fase da vida.

Os remédios com base neste composto, apesar de eficientes no tratamento à ansiedade e insônia,são de curta duração. Aos que utilizaram os medicamentos por menos de três meses, não houve relatos da mesma associação.

Em relatório anual divulgado pela Associação Internacional da Doença de Alzheimer (ADI), lançado também em setembro passado, apontou que o diabetes eleva a chance de desenvolver Alzheimer e outras demências em até 50%. Segundo o informe, hábitos de vida estão associados aos riscos evitáveis; portanto, controlar o diabetes é fator importante para diminuir a probabilidade de apresentar a doença.

A relação entre as doenças é de via direta e indireta. Na primeira, há receptores de glicose e insulina em regiões do cérebro responsáveis pela memória. Ou seja, o excesso desses componentes, decorrentes do diabetes, pode danificar essas áreas. Na indireta, as artérias cerebrais são comprometidas, piorando quadros de neurodegeneração – causados também pela obesidade, sedentarismo e tabagismo.

De acordo com o documento, apenas um quarto da população mundial reconhece a correlação entre excesso de peso e a demência – já o papel da atividade física só é reconhecido por 23% das pessoas. O controle de doenças crônicas é instrumento efetivo para a prevenção do Alzheimer.

“Tratar os fatores cardiovasculares e os problemas de humor e depressão; elevar convívio social; praticar atividade física rotineira, pelo menos 150 minutos semanais; e dieta saudável, com pouca carne vermelha e carboidrato, e bastante peixe, legumes, frutas e verduras são alguns hábitos que amenizam a doença”, orienta o dr. Norberto.

Novas Descobertas

Em novembro de 2014, no Japão, houve o teste de um novo método para detectar o Alzheimer em sua fase inicial com resultado promissor. Segundo os cientistas, a identificação acontece por meio do acúmulo da proteína cerebral beta-amiloide no sangue, reconhecidamente uma das principais causas dessa demência.

Liderada pelo Prêmio Nobel de Química de 2002, Koichi Tanaka, o experimento monitorou 62 pacientes com idades entre 65 e 85 anos, com o uso da Tomografia por Emissão de Positrons (PET) e exames sanguíneos. Com essa descoberta, haveria o rastreamento da doença no controle médico rotineiro, sem a necessidade de submeter-se aos testes atuais por PET e do líquido cefalorraquidiano – complexos e dolorosos.

“O diagnóstico precoce é fundamental, pois quanto antes souber do problema, melhor o prognóstico e mais cuidados para melhorar a qualidade de vida do paciente e da família. Quando o tratamento começa nas primeiras manifestações, reduz a intensidade dos sintomas psiquiátricos”, informa Balthazar.

Prioridade Mundial

Em 2012, a Organização Mundial da Saúde e a ADI divulgaram um relatório convocando os governos e os desenvolvedores de políticas públicas a creditar essa patologia como prioridade mundial da saúde pública. O documento intitulado ‘Dementia: A Public Health Priority’ (‘Demência: Uma Prioridade da Saúde Pública), aborda os principais estudos nesse âmbito, além de ressaltar práticas na luta contra a doença e estatísticas de diversos países, embasando o discurso de que esse é um problema que afeta todo o planeta, independentemente da situação socioeconômica.

Menos de 5% dos 194 estados membros da OMS executam planos nacionais de combate à demência. Por isso, com o texto, há expectativa de maior adesão dos países, adotando-o como base no planejamento e implantação de ações.

No mesmo ano de divulgação do parecer, o Ministério da Saúde assinou a Portaria 703 instituindo ao Sistema Único de Saúde (SUS) o Programa de Assistência aos Portadores da Doença Alzheimer. Com isso, Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso garantem atendimento hospitalar e diagnóstico; visita domiciliar de profissionais da saúde; tratamento acompanhado por equipe multidisciplinar; programa de orientação e treinamento de familiares; e medicação gratuita.

As drogas oferecidas para tratamento da doença são rivastigmina, donepezil e galantamina; a memantina não faz parte da lista do governo. Para ter direto à medicação, é necessária avaliação clínica, exames laboratoriais e de imagem, com prescrição feita por profissionais da rede pública – com exceção de São Paulo, onde pode ser assinada por um médico particular, desde que preenchida a documentação solicitada, constatando o processo de retirada. Há aproximadamente 30 Centros cadastrados no país atualmente.

“Se não adotarmos estratégias para reduzir as incidências e mostrar que os hábitos para prevenção são aplicáveis não só ao idoso, mas na meia idade, a partir dos 40 anos, os números tendem a se multiplicar, graças ao envelhecimento populacional. A cultura precisa mudar, com a conscientização e incentivo do sistema público. Se o governo não entender o impacto econômico e social que o Alzheimer gera, sofreremos muito nos próximos anos”, conclui o coordenador do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN.

Kelly Silva Karina Morais/Asimp

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.