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A reforma tributária pretendida pelo governo pode tornar os livros mais caros. A nova Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS) vai substituir as contribuições para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e para os programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep). Essa mudança acaba com a isenção e taxa o livro em 12%. Hoje, o mercado de livro é protegido pela Constituição de pagar impostos (art. 150). A lei 10.865, de 2004, também garantiu ao livro a isenção de Cofins e PIS/Pasep.

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, a isenção dos livros beneficia quem poderia pagar mais impostos. Ele disse que o governo poderia aumentar o valor do Bolsa Família, para compensar o fim da isenção, ou mesmo pensar em um programa de doação de livros. Segundo Guedes, os mais pobres, “num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”.

— Então, uma coisa é você focalizar a ajuda. Outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar —– argumentou Guedes, em audiência no Congresso Nacional na quarta-feira (5).

Resistência

A proposta, no entanto, enfrenta resistência no Senado. De acordo com o senador Flávio Arns (Rede-PR), a isenção de tributos sobre os livros não deve ser retirada na reforma tributária. Ele ressaltou que, com o avanço da internet e dos livros virtuais, os editores já estão tendo muitas perdas, tendo que se adaptar “com dificuldade a esses novos tempos”.

— Tributar os livros impressos seria, então, um golpe ainda maior nessa área, que é tão importante, pois nela folheamos a própria cultura — destacou Flávio Arns.

Para o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), a imunidade tributária dos livros democratiza o saber, assegura a livre difusão do conhecimento e evita que o governo de plantão use os impostos para cercear obras críticas. Em sua conta no Twitter, Contarato registrou que "o obscurantismo hoje no poder tem horror à cultura e à educação".

O senador Carlos Viana (PSD-MG) reconhece que os desafios da reforma tributária são muitos. Ele aponta que é importante diminuir os impostos sobre os mais pobres, mas faz a ressalva de que ninguém quer o aumento da carga tributária. Segundo o senador, quando ocorrer a discussão sobre as desonerações, a isenção sobre os livros certamente entrará em pauta.

— Não há impedimento de que o governo reveja ou mantenha algumas desonerações. Mas não podemos deixar de enfrentar o problema. A reforma tributária é fundamental para a retomada econômica e a geração de empregos logo após a pandemia – declarou.

Na opinião do presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, senador Jean Paul Prates (PT-RN), a tributação de livros não é um prejuízo apenas para o segmento editorial, mas para o Brasil como um todo. Ele lembra que a média de leitura no Brasil é muito baixa — 4,96 livros lidos por pessoa, anualmente — e cobrar 12% de impostos vai encarecer o produto e distanciar ainda mais os livros da população.

Segundo Jean Paul, a média em direitos autorais pagos a um escritor é de 10% do valor do livro. “O governo Bolsonaro quer embolsar 12%, ou seja, quer ganhar mais do que o autor”, registrou o senador, para quem a proposta do governo nem pode ser chamada de reforma. Ele ainda lamenta o fato de a reforma tributária do governo tributar livros em 12% e cobrar apenas 5,9% de bancos, financeiras e planos de saúde.

— Paulo Guedes, pressionado a apresentar alguma proposta, deve ter ajuntado uma meia dúzia de projetos que se transformaram em um monstro que não tem qualquer coesão e criando absurdos como esse de querer tributar livros — lamentou.

O senador Jader Barbalho (MDB-PA) também criticou a proposta do governo. Ele divulgou uma nota de repúdio na qual ressalta que "não há educação sem livros, sem leitura, sem conhecimento". Jader também diz que "será um enorme desastre para todo o mercado editorial caso o projeto de lei apresentado pelo governo federal [PL 3.887/2020] venha a ser aprovado como está".

Linhas de crédito

Jean Paul Prates é autor de um projeto de lei que estabelece medidas para ajudar as micro, pequenas e médias empresas do setor editorial durante o período de calamidade pública decorrente do coronavírus. O projeto (PL 2.148/2020) acrescenta dispositivo na Política Nacional do Livro no Brasil (Lei 10.753, de 2003) para que instituições financeiras e agências de fomento públicas abram linhas de crédito para empresas do setor editorial e livreiro. A oferta seria de refinanciamento de empréstimos existentes com instituições públicas ou privadas; e flexibilização dos requisitos de análise de crédito e período de carência equivalente ao da duração do estado de calamidade.

A proposta também determina que as linhas de financiamento terão juros, taxas de administração e outros encargos financeiros abaixo do padrão para o segmento, além de disponibilização de financiamentos de baixo valor. Ficará permitida a dispensa ou a flexibilização da exigência de garantias, de forma a assegurar que sejam aceitas garantias de segundo grau e incidentes sobre estoques e recebíveis das editoras.

— Em síntese, essa proposta quer garantir que as instituições financeiras abram linhas de crédito específicas para editoras e livrarias enquanto durar o estado de calamidade pública — resume o senador.

Recuperação

A tributação sobre os livros também mereceu crítica de entidades representativas do setor. Em um manifesto chamado Em Defesa do Livro, divulgado na semana passada, as entidades reconhecem a necessidade da reforma e da simplificação tributária no Brasil, mas apontam que “não será com a elevação do preço dos livros — inevitável diante da tributação inexistente até hoje — que se resolverá a questão”.

O documento ressalta ainda que “qualquer aumento no custo, por menor que seja, afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo”. Assinam o manifesto entidades como a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), entre outras.

A discussão sobre cobrança de tributo ocorre no momento em que a venda de livros começa a mostrar uma pequena recuperação diante da pandemia do coronavírus. Apesar de o mercado de livros apresentar uma retração nos últimos cinco anos, uma pesquisa do Snel mostra que, no período de 18 de maio a 14 de junho deste ano, o setor livreiro teve faturamento de R$ 109 milhões, um crescimento de 31% em relação ao mês anterior. Segundo o estudo, a evolução do setor é visível e representa uma potencial reversão na curva de queda por causa do coronavírus.  

Algumas editoras também têm tentado a recuperação de suas vendas recorrendo a formas alternativas de produção como obras com vários autores, financiamento coletivo e compras antecipadas por parte dos leitores em potencial. O receio é que essa pequena recuperação seja anulada pela possível cobrança de tributos.

Escritores

A tributação do livro também é reprovada pelos autores. Para o escritor Maurício Gomyde, a iniciativa só vai dificultar o acesso aos livros. Em entrevista à TV Senado, ele apontou que o mercado editorial já é muito difícil e alertou que a conta da tributação certamente irá para o preço do livro. Gomyde ainda disse esperar que essa proposta seja barrada por deputados e senadores. Editora e escritora, a jornalista Hulda Rode também criticou o fim da isenção e afirmou que o livro não pode se tornar um artigo de luxo.

— O livro é essencial para humanidade: muda mundos, muda realidades e aproxima continentes. O imposto trará redução do acesso ao conhecimento, à cultura e à leitura — declarou a escritora, também em entrevista à TV Senado.

Agência Senado

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