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O novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março, trouxe modificações que afetam também o Direito de Família. Algumas delas já apresentam reflexos práticos, como a possibilidade de inclusão de não pagadores de pensão alimentícia no cadastro de inadimplentes, o que tem feito com que devedores procurem regularizar sua situação. Outras mudanças significativas são a maior celeridade nos processos da área e o estímulo à conciliação.

O promotor de Justiça Mauro Sérgio Rocha, coordenador do Núcleo de Controle Abstrato de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça, elenca (em quadro ao final deste texto) as principais alterações quanto a alimentos. Segundo ele, a nova sistemática, ao passo que consolida na lei algumas posições jurisprudenciais, caminha, ainda que timidamente, para uma maior efetividade do afirmado direito material.
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A seguir, acompanhe a análise de especialistas sobre as novidades do CPC relacionadas à área.

Sanções

O advogado e professor universitário Rolf Madaleno, secretário do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), considera especialmente importantes algumas novidades no processo de execução de alimentos, como a criação do protesto do título judicial em caso do não pagamento. Com isso, o devedor de alimentos pode ficar com o nome negativo nos órgãos de proteção ao crédito. Outro ponto relevante é o aumento para três meses do tempo de prisão pela dívida alimentar e a adoção da prisão em regime fechado, no lugar do pernoite e finais de semana, que desestimulavam a execução alimentícia.

Como defensor, no entanto, ele pondera que o uso de ritos da Lei 5.478, de 1968, está desatualizado. A Lei 5.478/68 prevê que, na primeira audiência, o juiz termine a instrução do processo, ouvindo partes e testemunhas, e isso nem sempre seria suficiente, explica o advogado – quando o devedor de alimentos é autônomo ou empresário, seria preciso uma instrução mais demorada do processo, que não poderia terminar na primeira audiência, já que devem ser levadas ao processo provas de exteriorização de riqueza, com quebra dos sigilos bancário e fiscal. Isso, no seu entender, demandaria mais de uma audiência, sendo necessária, por vezes, prova pericial.

Celeridade

Por outro lado, a desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins, do Tribunal do Justiça do Paraná, acredita que, em termos gerais, a luz do novo CPC, os processos de família terão maior celeridade, pois, tão logo seja distribuída a ação, as partes são direcionadas para as audiências de conciliação e mediação. “Desse modo, o processo pode findar assim que tenha sido ajuizado, com a vantagem de uma solução acordada entre os litigantes”, sustenta.

A desembargadora acredita que o novo Código de Processo Civil inovou, “mostrando-se alinhado à moderna visão do Direito Civil Constitucional no âmbito das relações familiares, trazendo dispositivos de simplificação dos procedimentos nos processos de família e dando especial relevo às soluções consensuais de conflitos, seja pela conciliação ou mediação”.

Autocomposição

Para Ivanise, o aspecto mais importante é a ênfase na autocomposição, já que as ações na área de família, por sua própria natureza, envolvem questões afetivas que, quando levadas ao Judiciário em processos contenciosos, tendem a estimular a beligerância entre as partes. Agora, as partes são antes encaminhadas para a conciliação – o processo tomará o curso de litigiosidade, com prazo para contestação, apenas quando não for possível a autocomposição. “Essa busca de soluções consensuais entre os litigantes traz benefícios, minimizando o litígio e facilitando a composição de forma menos traumática às partes, primando assim pela manutenção de laços amistosos entre os litigantes envolvidos do núcleo familiar em conflito”, argumenta.

Outra vantagem que a desembargadora vislumbra é a preservação dos laços afetivos entre os integrantes do núcleo familiar em conflito. “Normalmente, os filhos ficam no meio de uma disputa feroz entre os pais e são eles que mais sofrem as consequências dos resquícios de relações conjugais mal resolvidas. A intenção é apaziguar o conflito, e o novo código foi feliz nesse sentido, principalmente porque na mediação é possível dividir as audiências em sessões até que se chegue a bom termo entre os litigantes.”

Criança protegida

A proteção à infância também é realçada no novo CPC. O Código determina que, caso seja necessária a tomada do depoimento de criança em processos que envolvam alienação parental ou outros constrangimentos à criança, o magistrado deverá estar acompanhado por especialista (psicólogo, por exemplo), criando um ambiente propício para que a criança fale sem ser revitimizada, ou seja, sem reviver fatos traumáticos. “Isso traduz um avanço, por aproximar a multidisciplinaridade imprescindível no trato com a infância, que coaduna com os modernos rumos do chamado ‘depoimento especial’ ou ‘audiência de menor dano’ (ou ‘sem dano’), e está em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com as modernas orientações, como a Recomendação 33 do Conselho Nacional de Justiça e artigo 12 da Convenção das Nações Unidas”, comenta Ivanise.

Em termos de princípios, a desembargadora Ivanise Martins acredita que a abordagem do novo CPC “evidencia uma preocupação do legislador em oferecer tratamento diferenciado e reduzir a interferência estatal na vida privada, com um procedimento participativo, mais célere e eficaz, que resulta em uma redução da sobrecarga do Judiciário”. Segundo ela, “o código consagra o princípio da cooperação. Assim, o processo deve se desenvolver com base na lealdade processual, como consequência lógica do princípio da boa-fé, na busca da pacificação social de conflitos”.

Capítulo específico

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, ressalta como principal ponto positivo a criação de um capítulo específico para as ações de família. Em geral, afirma, o novo CPC absorveu algumas posturas jurisprudenciais. Entretanto, no seu entender, cabe uma crítica ao novo Código por não haver criado ritos mais acelerados para as demandas desse tipo, que, na visão dela, “deveriam ser ações preferenciais, com ritos mais abreviados”.

Alimentos

Maria Berenice aponta também como alterações louváveis as relacionadas à execução de alimentos, “que sempre foi um tema esquecido no âmbito do processo civil”. Ela cita especialmente a possibilidade de execução dos alimentos como títulos extrajudiciais, ainda quando estabelecidos perante mediador ou conciliador: “Independentemente da origem do título, ele é executável pelo rito da prisão. E ficou estabelecido que o regime da prisão é fechado. Antes, dependia de cada juiz, havia divergências; agora, isso é questão fechada e assustou muita gente”. Inclusive, conta a advogada, já há reflexos visíveis dessa mudança: muitos devedores de alimentos têm procurado regularizar os débitos, temerosos quanto ao rigor estabelecido pelo novo diploma legal em relação a esses casos.

Há mais alterações dignas de nota, considera, como a já mencionada possibilidade de inscrição do devedor em serviços de proteção ao crédito e a admissão da citação do devedor por carta – o que antes era uma exceção. De qualquer modo, Maria Berenice Dias acredita que o novo CPC marca mais pelas ausências do que pelos avanços, mesmo porque grande parte das alterações já estavam consolidadas pela prática e pela jurisprudência. “Houve um progresso, mas ainda tímido”, avalia. “Por exemplo, as ações de curatela continuam um calvário, assim como os inventários. A necessidade de registro de testamento perante o juiz é absurda, não garante sua validade, é um procedimento inócuo”, reclama. Muitas questões que poderiam haver evoluído não foram tocadas, lamenta a especialista. Por fim, ela reprova o fim do foro privilegiado para a mulher – antes, o foro da ação era preferencialmente o de residência da mulher, o que caiu no novo diploma legal. “Ainda não vivemos num país onde não haja a necessidade desse tratamento privilegiado”, justifica.

Conciliação

Outra novidade do novo CPC é a obrigatoriedade da audiência de conciliação que atinge os casos do Direito de Família. Conforme os procedimentos do código anterior, o juiz devia intimar a parte a apresentar a contestação, mas já era praxe marcar audiência de conciliação, mesmo não havendo previsão legal explícita para isso – era uma prática adotada consensualmente. Agora, o novo CPC exige expressamente que o juiz cite as partes para a conciliação. Caso as partes não compareçam e não apresentem justificativa, estão sujeitas a multa.

A ideia de conciliação é tentar resolver o conflito de modo consensual. “Uma vez que as partes tiveram relação continuada, nada melhor que elas próprias tratarem do próprio conflito, dentro da perspectiva delas”, explica o juiz André Carias de Araújo, responsável pelo Núcleo de Conciliação das Varas de Família de Curitiba. Nas Varas de Família da capital paranaense, o incentivo à conciliação é muito anterior à exigência do atual Código de Processo Civil.

Equipe multidisciplinar

Ainda sobre a previsão, no novo CPC, de equipe multidisciplinar para facilitar a solução dos conflitos, a desembargadora Ivanise Martins comenta que “seja pela conciliação ou mediação, é possível a utilização e intervenção de equipe técnica especializada do Juízo, de outras áreas de conhecimento, como Psicologia, Pedagogia e Serviço Social, sempre a fim de buscar soluções consensuais e apaziguadoras, podendo inclusive o magistrado determinar a suspensão do processo enquanto as partes estiverem em atendimento multidisciplinar ou mediação extrajudicial”. Em Curitiba, isso já era feito antes das alterações do CPC, dentro do Núcleo de Conciliação das Varas de Família de Curitiba. Graças a um convênio com a Universidade Positivo, o juiz André Carias de Araújo, que coordena o trabalho, diz que o Núcleo conta com a participação de estudantes do quinto ano de Psicologia, supervisionados por uma psicóloga do Tribunal de Justiça.

Em Curitiba, funcionam também as “Oficinas de Parentalidade”, igualmente implantadas pelo magistrado, da qual participam pais e mães em processo de divórcio que recebem não apenas orientação jurídica quanto ao processo, mas também instruções sobre as questões emocionais que permeiam o afastamento do casal. Nas oficinas, são transmitidas dicas sobre como melhorar a comunicação do casal, como lidar com os filhos nessa situação e questões ligadas às dimensões psicológicas do divórcio. Realizadas na primeira segunda-feira de cada mês, as oficinas são de participação voluntária e contam, em média, com a presença de aproximadamente 50 pessoas.

De acordo como juiz Araújo, o índice de acordo nas audiências de conciliação (realizadas por conciliadores e mediadores treinados, sob a supervisão do juiz) gira em torno de 70% dos casos. Já nos processos em que as partes frequentam as oficinas de parentalidade, esse índice sobe a aproximadamente 90%. “É preciso distinguir as relações de parentalidade [entre pais e filhos] e de conjugalidade [entre o casal]. Por mais que se dissolva a relação de conjugalidade, a relação de parentalidade é eterna, e o pai e a mãe têm que se dar conta disso, precisam saber distinguir. O filho será filho pelo resto da vida. E essa relação de parentalidade deve ser mantida de forma saudável”, comentou.

Outras alterações importantes

Para o promotor de Justiça David Kerber de Aguiar, que atua na 2ª Promotoria de Justiça de Araucária, embora os maiores impactos do Novo Código de Processo Civil, no âmbito das ações de família, sejam a melhoria dos instrumentos para a garantia de pagamento dos débitos alimentares e a realização de audiência de tentativa de conciliação, antes da apresentação da contestação, o novo diploma legal também traz sensível evolução no tocante ao ônus da prova. Ele observa que, atualmente, nos moldes do art. 373, § 1º, do Novo Código, é possível, já no despacho inicial, o juiz distribuir de modo diverso o ônus da prova, examinando, para isso, as peculiaridades da causa, a dificuldade de uma das partes comprovar determinado fato ou até mesmo que a prova pode ser com maior facilidade realizada por um dos interessados que, em regra, não teria essa incumbência.

“Por exemplo, em uma ação de investigação de paternidade, onde se sabe que o exame de DNA é fundamental para a resolução do feito (sem prejuízo das regras de presunção legal caso o suposto genitor se negue a realizá-lo, de plano), é possível o juiz determinar no despacho inicial que o ônus de produzir essa prova, oferecendo material genético, é do genitor. Da mesma forma, nas ações de alimentos, o juiz pode determinar que é do devedor o ônus de provar suas condições financeiras para fins de avaliar suas possibilidades.”

Ainda nesta linha, o promotor de Justiça destaca que o Novo Código ampliou também o rol de hipóteses de produção antecipada de provas (art. 381), estabelecendo que a medida é cabível caso a prova a ser produzida viabilize a autocomposição ou possa justificar ou evitar o ajuizamento de ações. Focando em sua aplicação prática, ele cita que, não raras vezes, o desentendimento de pais separados envolve a ocorrência da prática de alienação parental (que, caso ocorra, entre outras consequências, pode até mesmo ensejar alteração de guarda). Havendo suspeitas disso, o (a) genitor (a) descontente pode, em vez de ajuizar ação sem qualquer prova técnica, formular pedido de produção antecipada de provas, solicitando que os técnicos do juízo realizem escuta especial e avaliação psicológica da criança (e dos pais), que estaria sofrendo com tal prática.

Por fim, David Kerber de Aguiar cita que, com o Novo CPC, ocorreram ainda importantes alterações instrumentais que refletem diretamente no andamento dos feitos de famílias. Dentre essas ferramentas, ele destaca: o critério que define a prevenção do juízo em caso de múltiplas ações; a admissibilidade do uso de prova emprestada (art. 372); e a possibilidade de citações ou intimações, independentemente de ordem judicial, serem realizadas pelo oficial de justiça em feriados, sábados e domingos ou em dias úteis fora dos horários das 6 às 20 horas.

O promotor de Justiça Mauro Sérgio Rocha, coordenador do Núcleo de Controle Abstrato de Constitucionalidade da Procuradoria-Geral de Justiça, destaca a seguir algumas das principais alterações do Código de Processo Civil no que diz respeito à execução de verbas alimentícias:

O não pagamento de verbas alimentícias, independentemente da natureza do título executivo (judicial ou extrajudicial), autoriza a execução por coerção pessoal (prisão civil), segundo os arts. 528, caput, e 911, parágrafo único, do CPC/15.

A prisão civil do alimentante compreende até as 3 (três) últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução, assim como aquelas que se vencerem no curso do processo, conforme art. 528, §7º, do CPC/15 (Súmula 309/STJ).

A prisão do devedor de alimentos se dará pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses, regime fechado, restrição que não afasta a exigibilidade da obrigação alimentar, segundo art. 528, §5º, do CPC/15.

Independentemente do rito empregado, o não pagamento das verbas alimentícias no prazo legal autoriza o protesto do título, seja ele judicial (provisório ou definitivo), seja ele extrajudicial, na forma dos arts. 528, §3º, e 911, parágrafo único, do CPC/15.

O credor pode optar por exigir o adimplemento integral das verbas alimentícias fixadas em título executivo, judicial ou extrajudicial, pelo rito do pagamento de soma em dinheiro, ou seja, sem a coerção pessoal (arts. 528, §8º, e 913 do CPC/15).

A exigibilidade das verbas alimentícias fixadas em título judicial (provisório ou definitivo) se opera dentro do mesmo processo (cumprimento de sentença). O cumprimento do título provisório, porém, opera-se em autos apartados (CPC, art. 531). Tratando-se de título executivo extrajudicial, coloca-se, no particular, o processo autônomo de execução.

O credor, tratando-se de título executivo judicial, pode optar por exigir o cumprimento da obrigação no seu domicílio, conforme art. 528, §9º, do CPC/15.

A defesa do executado (impugnação e/ou embargos), ainda que excepcionalmente dotada de efeito suspensivo, não obsta que o exequente levante mensalmente a importância relativa à prestação alimentícia.

Mediante requerimento do credor, é também viável a inscrição do nome do devedor no cadastro de inadimplentes (serviço de proteção ao crédito), na forma do art. 782, §3º, do CPC/15. Obs. por vezes, nos termos do art. 29 da Lei nº 9.492/97, isso é tido como um consectário do protesto do título.

O débito pretérito pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse o percentual líquido de 50% (cinquenta por cento), conforme art. 529, §3º, do CPC/15.

As decisões interlocutórias proferidas na fase de cumprimento de sentença ou processo de execução, especialmente aquelas que analisam a prisão civil do devedor de alimentos, são impugnáveis por meio do agravo de instrumento, conforme art. 1015, parágrafo único, do CPC/15.

Asimp/MP-Pr

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